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28.10.10

Perdidos e Achados

Eis que estamos assim meio perdidos, meio soltos, meio enrolados nesses dias que se estendem a nossa volta e não dizem o bastante para nos sentirmos seguros, mas aquece enquanto juntos. Estamos nós dois, enfim, procurando a mesma centelha de vida nesse desfile de manequins todos com os mesmos rostos? Essa beleza inexpressiva contida nessas vidas inanimadas realmente te atrai?

O que procuras atende por amor, mas é solidão que te caça. Eu costumo atender por dor, te chamei de cura outro dia e você atendeu. É isso, então?

24.10.10

É lágrima, mas é amor

Luz que invade e faz brotar a mais preciosa das lágrimas. A gota que leva bem mais que água e sal, leva consigo também os mais belos dias, os mais sinceros sorrisos, o mais intenso olhar, leva o que há de melhor em nós. É lágrima que não precisa de nada mais que o simples existir. Vem e cumpre seu destino, que é puro amor.

23.10.10

Untouchable

You seemed like a breeze
Shining, your face didn't hide anything
You look so pitiful now
You don't cry anymore
And I can't hear your desperate voice
You can't show yourself
I only hope you can still feel
Cause I can't feel you
You became so untouchable
My little breeze is so far.

22.10.10

Deixa chover

Peço que chova agora.

Que essa água lave a pele tão ressecada
Que arraste as impurezas da superfície
Que essas gotas desfaçam sua face, sua máscara
Que deslize a saliva corpo abaixo
Que perfure e invada os poros, que inunde
Que remova as lágrimas, remova os sorrisos
Que deixe limpo
Que deixe suscetível
Que essa chuva penetre ainda mais
Que revolva seus órgãos
Que enoje sua alma
Que ponha pra fora o indesejado
Que expulse o desejado
Que te permita ser menos o que queres
Que te force a ser mais o que precisa
Que te desnude
Que te envolva
Que te faça água divina
Que seja você mortal
E que seja chuva, que chova, que não seque.

16.10.10

Som & Fúria


Ainda é possível ouvir sua presença, sentir sua voz.






Só não é real.

Vou te contar do medo

Faz tempo que não nos vemos, meu bem. Como você está? Bem, eu espero sinceramente. Senti saudades. Eu? Desapareci por uns tempos, é verdade. Bom, isso não quer dizer que eu tenha estado bem. Na verdade, estive afundando em um poço muito profundo, meu bem, mas era um poço estranho. Tinha alucinações lá, elas me levavam à superfície e permitiam que tivesse alguns momentos de distração, de tranquilidade no meio daquele caos em que me meti. Mas logo depois elas se desfaziam, eu tentava agarrá-las, mas escorriam por entre meus dedos, as alucinações. Ah, eram tão belas. Sabe? Como aqueles dias de céu azul em que a gente deita na grama e observa as nuvens, as árvores...e se sente parte daquilo tudo? Lembras daquelas vezes em que deitávamos na grama e éramos nós também aquilo tudo, meu bem? Já faz tanto tempo...eu queria poder te de volta as cores, tão vivas, tão verdadeiras...estão desbotadas agora. Uma pena. Mas de volta, eu estava naquele poço...as ilusões eram um amparo, mas só isso, nada mais que isso. Depois eu estava de volta ao escuro, à lama, ao cheiro pútrido de minhas próprias lembranças. Um lugar tão parecido com aquele em que me encontraste, meu bem. Mas de lá você não poderia me tirar. Não dessa vez. Eu gritei tanto por você, chorei chamando aos deuses ou a seja lá quem for que determina essas nossas vidas miseráveis e vãs, mas ainda assim você não veio. Eu estava tão só. Só como eu nunca imaginei poder estar. Eu queria te contar, escrever para ti...porém não tinha canetas ou papel, não tinha fogo para te enviar sinais de fumaça, não tinha nada! Nada! Só eu mesmo, no poço, respirando minhas próprias desgraças, minhas frustrações, meus traumas, meus desgostos! Ah, como eu desejei acabar com aquilo, meu bem. Mas eu pensava em você, no quanto você desejou minha vida, o meu bem, que agora é você, meu bem. Lembrei de todos as vezes em que você enfiava os pés na lama suja, arrancava as ervas daninhas que me acorrentavam ao lixo e me resgatava, estendia a mão e me trazia à tona dias azuis, céus verdes, nuvens amarelas. Cores, meu bem. Você me entregava tantas cores. Mas no poço eu só enxergava em cinza. Tons, nuances e mais variantes de cinza. Não conseguia nem te imaginar. Você não nasceu para pertencer a um mundo sem cores, seria impossível existires ali. És um ser tão belo, meu bem. Não compreendo porque me salvas tantas vezes, eu que sou feio, patético e miserável. Mas eu te agradeço, você me traz cores e elas e você são tudo para mim. Eu só não entendo proque nada fizeste para me salvar, você não poderia enviar um mensageiro Você algum momento desistiu de mim, meu bem? Talvez o poço fosse por demais assustador para você, eu entendo. Não se culpe, eu não te culpo. Você não deveria caminhar por lugares tão sem cores. Demos graças por eu estar aqui agora, consegui, eu sai. Você está feliz, meu bem? Te trouxe algumas flores, deixe-me colocá-las num vaso. Oh, mas esse vaso é...cinza. Meu bem, por que temos um vaso cinza se...não. Não, não, não! Não pode ser! Por que, por que, meu bem? Você não me ama mais, é isso? Meu bem, meu bem, por favor...por que me trouxeste aqui de novo? Por que me queres aqui, preso?! Me diga, por favor...eu não aguento mais...você ao menos ficará comigo aqui? Não me deixe, é cinza demais! Mas...suas cores, onde elas estão agora? Por favor, não me diga...não diga, meu bem. Por favor, por favor...não seja igual a mim.

6.10.10

Indizível

O som dos pássaros pousando no parapeito da janela a acorda. Olha pela cortina fina a luz que, tímida, avança quarto a dentro. Senta-se, calça os sapatos e abre a janela, respira fundo e a fecha novamente. Hora de acordar. Hora de se fechar. Desce as escadas, checa os corredores, as outras janelas, as travas. Todas bem fechadas. Está segura. Prepara o café, separa algumas torradas, as come com geléia enquanto observa a brisa que entra por uma fresta da janela da cozinha. A cortina semi-fechada move-se lentamente com as lufadas de vento. Pequenas partículas de poeira pendendo no ar encantam-na, ah, como gostaria de se ser ela mesma uma daquelas partículas. Mas não poderia. Era uma fugitiva. Reclusa, intocavél. Contentava-se apenas em admirar saudosamente as janelas, a brisa, um pedacinho de azul por entre as cortinas, quem sabe até vislumbrar um qualquer que anda despreocupado pela rua. A porta, seu grande temor, encontrava-se ali, no corredor ao lado, ameaçadora, sombria, fúnebre. Não a olha, preferia assim.
Termina seu café, vai à sala, senta-se numa poltrona e prepara-se para mais uma manhã de contemplação. Mas do que? Da vida que gostaria de ter, das paisagens impossíveis, dos encontros casuais, dos desconhecidos animados e inofensivos que poderia ter em sua vida? Assim consumia as manhãs. Cheias de devaneios, sonhos e mais sonhos de uma realidade surreal que não estava ali, logo atrás da grande porta, mas sim dentro dela. Dentro do imenso casulo que construiu no entorno de sua vida, de suas aspirações. Fugia de quê, afinal? O latido dos cachorros à noite não a assustava, sombras fantasmagóricas projetadas na sua janela não traziam medo algum. Porém, por vezes se pegava pensando no passado, no futuro que já não seria mais aquele que sonhou um dia, numa projeção do que seria ela própria fora do casulo. Isso sim a aterrorizava. O desejo latente, ainda que sufocado, permanecia em si, escondido de suas próprias defesas, driblando as muralhas do casulo, penetrando-a vez ou outra.
Fugia de si mesma, era isso? Não creio, conhecia-se bem para tanto. Fugia do que seria sua existência num mundo real, com pessoas reais, contatos reais, consequências, causas, intenções reais. A possibilidade de ser importante para algo ou alguém a assustava mais que tudo. Então se escondia, fechava-se em seu próprio reduto. Era mais fácil lidar com suas solidões, suas angústias quando eram apenas a respeito de si. A verdade é que tornar-se responsável por um outro parecia-lhe pesado, incerto, incalculável. Seria certo se permitir tal responsabilidade? Era seguro onde estava? Tinha os cálculos feitos, as margens de erro, todas as possibilidades foram estudadas. Sim, era seguro onde estava. Conhecia os caminhos, as pedras, os declives. Outras pedras, outros declives não perturbariam sua caminhada. Se é que caminhava. Talvez apenas sentasse numa poltrona e observasse por entre uma fresta, atrás de uma cortina, a vida que deixou de ter por medo de se arriscar. Talvez aquilo não fosse mais que um sonho. Talvez ela acorde agora: está numa poltrona, o sol se põe, raios de luz projetam seus tentáculos pelo chão até a porta. Ela levanta, calça os sapatos, caminha até a porta e sai. Sorri, é um mundo bonito que se desvela diante de seus olhos. Não há mais porque fugir, quer agora encontrar-se com a realidade.


Neste momento a história acaba. Sua mãe fecha o livro e beija-lhe a testa. Era a história de uma princesa, ao fim ela encontrava seu príncipe e então viviam felizes para sempre. Sua mãe sussura-lhe ao pé do ouvido:
- És uma princesinha linda, tens o mundo inteiro aos teus pés, meu amor. Isso tudo é teu, meu amor também.
Alice está em coma há 8 anos. Tem agora 28. Sonha em ser uma princesa e poder ver o mundo, mas está presa num casulo resistente demais. Talvez devêssem a deixar sair. Há mais formas de estar vivo do que poderíamos verbalizar.

2.10.10

Limbo

Afundava. De repente, mas só de repente senti. Todos os átomos daquela atmosfera azul demais, densa demais pareciam me puxar, me empurrar mais pra baixo, mais fundo. De onde veio aquela força que me arrastava sem que eu sequer notasse sua chegada? Quando foi que me distraí e comecei a afundar naquele limbo? Não sei...será que ainda estou descendo? Quando para? Para?
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Azul...

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1.10.10

Tenha um pouco mais de fé

Costumava acreditar que as pessoas são feitas de medo. Aquele medo empurrado goela a baixo por essa nossa necessidade de aparentar coragem, sabe? Costumava acreditar que havia pessoas boas, mas essa é uma ideia tão absurda que já nem a divulgo. Costumava também pedir ajuda. Mas sabes, isso requer uma barganha, muita vezes mais cara do que posso pagar. Costumava tentar negociar com seres humanos. Mas não, não se pode mais fazer tal coisa. Fomos vendidos a algum mercador sádico que não permite dessas graças, por assim dizer. Somos completamente escravos dele ou acabamos contaminando-o? Não sei. Uma coisa é certa: todo esse discurso agora só me provoca...nada. Devo voltar ao meu jornal, meu café, meu bate-boca matinal no boteco da esquina com o Seu Zé e os outros miseráveis clientes assíduos, como eu. Só não aguento mais, por favor, que me digam: tenha um pouco mais de fé. Escute bem, meu caro: meu café vai esfriar, o boteco fecha as portas e essa fé não vem. Cheguei até a procurá-la nos jornais, mas de lá ela passa longe. Tenha fé no que eu digo.