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5.7.10

Perto demais

"Não chegue tão perto. Você pode não conseguir achar o caminho de volta." A frase ainda ecoava em meus pensamentos, mais e mais, como as ondas insistentemente afrontam as rochas, suas palavras latejavam na minha cabeça e esse foi só o resultado do nosso primeiro contato. Quer dizer, eu não aceitaria ordens suas, você não pode me tratar como se eu estivesse vulnerável, nas suas mãos. Eu nunca permitiria me desproteger dessa maneira. Fui absurda, vã, infantil. Eu não te ouvi. Não quis, é verdade. Realmente acreditava que tinha o controle de tudo, sabe? Não percebi o barco se distanciar enquando brincava de saltar as ondas. Ah, como eu as adorava. Represetavam tudo que eu mais prezava: a leveza, a liberdade, a intensidade. Mas você era a rocha, não é? Eu te tinha como areia, frágil, maleável, pensava que poderia te moldar, ah, como estava errada. Você era rocha, afinal. E eu por diversas vezes tentei te atingir, causar algo que fosse mais que um arranhão, algo que deixasse marcas.
"Você não desiste nunca?" perguntou, "Não, mil vezes não. Até que consiga penetrar sua superfície!" disse com toda a veemência característica dos tolos e prepotentes.
Se eu soubesse o que encontraria dentro de ti... talvez fosse mais seguro ser rocha, assim como você. Mas sempre fui como as ondas, persistente. Te penetrei, enfim. Durante aquelas tardes sem fim o barco se afastava, eu pulava ondas e sorria aos quatro ventos enquanto você observava e como rocha cedeu, pouco a pouco, permitindo que minhas gargalhadas te arranhassem, que meus olhares te rasgassem até que finalmente tornou-se pó o que um dia fora rocha dura. Um pó denso, do qual me vi proprietária natural...estava nas minhas mãos agora. Só não pude perceber o que viria. O que faria com o pó? Como onda, minha natureza era apenas destruir o que era sólido e seguir, como onda que sou, destruindo novas barreiras. Mas agora eu tinha pó comigo, pó que exigiu e impregnou-se em mim, compondo cada pedaço do meu ser. Passei a ser pó também, ao passo que você tornou-se onda, livre das repressões de ser rocha. Como onda, você pôde se mostrar a mim, penetrar em mim...e de tanto ser rocha, ser onda e ser pó, viramos ar. Unidos, livres e nossos.

Um comentário:

  1. Me envolveu num ritmo que desses que vai nos conduzindo até a última palavra. Foi lindo, me pareceu feliz, afinal. E me lembrei de uma música (muito) antiga, que minha mãe cantava pra mim, sobre um grão de areia que se apaixona por uma estrelinha e daí, bem.. a estrela do mar.

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