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29.7.10

(passa)tempo


Não confuda passatempo, garota. Existe o que não passa, você bem sabe. O mais seu, só seu devaneio atemporal. Aqui, ali, em qualquer lugar. Acalento para as horas de desilusão. O tocável, verdadeiro, ainda que distante. O certo, confiável. Porto seguro com direito a tempestades particulares. Eternamente seu, o tempo. Tic tac, você ainda está aqui. Não vá embora, me segura. Tic tac, preciso de você. Tic tac... tic tac, você sumiu. Tic tac...não passa, passa o tempo, você não. Tic tac.

26.7.10

Perpétuo

O silêncio vai assumir o controle. Ele, que sempre esteve presente e permanecerá, sempre, sempre junto a ti, o refúgio mais íntimo em ti. Ele te dirá tudo que eu não quis dizer, tudo o que você não gostaria de ouvir. Mas não pense que ele quer o teu mal. Não, não, ele te quer bem, ainda que doa, ele te quer em paz. Ele vai gritar, berrar e sussurar. Vai lembrar-te, meu amor. Pois o silêncio não cala. Perpetua. Então que seque ou que molhe. Sempre o terás, não se esqueça. Que chova agora, você é vento.

13.7.10

V

- Perdi a vontade.
- Vontade de quê?
- De você apenas. O que resta agora é nojo.

12.7.10

Lixo

É podre. Não, não está podre. É. Tudo que tocou até hoje se transformou em material pútrido, fétido, morto. Como um verme que se alimenta da carne pura, a perfurada, rasga, sangra. Ou quem sabe como um maníaco. Alguém que não pode, não consegue, de fato, não causar dor até mesmo a quem aprecia. Aprecia, apenas. Não falamos de amor aqui. Vermes não amam. São parasitas que se apoderam do melhor de nós e, paulatinamente, provocando dor, nos matam. Vermes e maníacos, os dois insaciáveis. Destruindo tudo o que há por perto. Não tente se iludir, não tem nada de bom pra salvar. Não há redenção para você hoje ou amanhã. Até que a carapaça tem funcionado, é um bom ator, sabemos. Não é? Agora eu sei. Mas sabemos também que é lixo. E como lixo, só restará lixo, lama, fedor e desgraça. Tudo que um dia já pôde desejar algum bem perceberá, uma hora, o grande equívoco. Eu percebi. E como eu, manterá um sentimento(que nem o é) de perfeita indiferença. Nada como os vermes ou como os maníacos. Eles merecem alguma consideração, eles tem motivos para fazer o que fazem. Quanto a você, é menos que nada. Não é por nada não, estou só constatando.

10.7.10

Imensidão

Chovia lá fora.

Da janela eu podia ver: caiam as gotas num compasso hipnotizante. Eu as escutava, soavam como a mais encatadora das canções. Uma, duas, três... não sei quantas horas permaneci. Eu apenas observava a chuva cair. Em cada gotícula assistia a uma cena do que já se fora. Assisti a tudo. Minha vida estava ali, eu estava, realmente, ali. E como única espectadora do que seria a ilustração da minha história, eu soube: acabaria ali. Opondo-me às previsões, às promessas que, desde o princípio, estavam fadadas ao esquecimento, consenti. O fim não me surpreendia mais, afinal, sempre fora presença constante. Era isso, então, o resultado de tudo: o nada. Tomou seu lugar, preencheu-me de si e apagou as luzes.

Chovia lá dentro também.

5.7.10

Perto demais

"Não chegue tão perto. Você pode não conseguir achar o caminho de volta." A frase ainda ecoava em meus pensamentos, mais e mais, como as ondas insistentemente afrontam as rochas, suas palavras latejavam na minha cabeça e esse foi só o resultado do nosso primeiro contato. Quer dizer, eu não aceitaria ordens suas, você não pode me tratar como se eu estivesse vulnerável, nas suas mãos. Eu nunca permitiria me desproteger dessa maneira. Fui absurda, vã, infantil. Eu não te ouvi. Não quis, é verdade. Realmente acreditava que tinha o controle de tudo, sabe? Não percebi o barco se distanciar enquando brincava de saltar as ondas. Ah, como eu as adorava. Represetavam tudo que eu mais prezava: a leveza, a liberdade, a intensidade. Mas você era a rocha, não é? Eu te tinha como areia, frágil, maleável, pensava que poderia te moldar, ah, como estava errada. Você era rocha, afinal. E eu por diversas vezes tentei te atingir, causar algo que fosse mais que um arranhão, algo que deixasse marcas.
"Você não desiste nunca?" perguntou, "Não, mil vezes não. Até que consiga penetrar sua superfície!" disse com toda a veemência característica dos tolos e prepotentes.
Se eu soubesse o que encontraria dentro de ti... talvez fosse mais seguro ser rocha, assim como você. Mas sempre fui como as ondas, persistente. Te penetrei, enfim. Durante aquelas tardes sem fim o barco se afastava, eu pulava ondas e sorria aos quatro ventos enquanto você observava e como rocha cedeu, pouco a pouco, permitindo que minhas gargalhadas te arranhassem, que meus olhares te rasgassem até que finalmente tornou-se pó o que um dia fora rocha dura. Um pó denso, do qual me vi proprietária natural...estava nas minhas mãos agora. Só não pude perceber o que viria. O que faria com o pó? Como onda, minha natureza era apenas destruir o que era sólido e seguir, como onda que sou, destruindo novas barreiras. Mas agora eu tinha pó comigo, pó que exigiu e impregnou-se em mim, compondo cada pedaço do meu ser. Passei a ser pó também, ao passo que você tornou-se onda, livre das repressões de ser rocha. Como onda, você pôde se mostrar a mim, penetrar em mim...e de tanto ser rocha, ser onda e ser pó, viramos ar. Unidos, livres e nossos.

4.7.10

Eis a menina

Ela brinca, finje, engana.
No final, encontra-se imersa no próprio personagem de modo que não há mais volta. A máscara cái - qual delas? - e não há mais formas de se manter segura.

Então ela muda.
Recria-se, cria outras máscaras e segue - pra onde não importa, apenas segue.

Ela sorri.
Um sorriso de quem desdenha, rápido, de soslaio.

Fecha os olhos.
Um quê de melancolia e resignação.

Ispira e abre os olhos.
Olhos feridos, repletos de sentido.

Um lágrima surge.
Apenas uma, lembrete de tantas outras já derramadas.

Ela sorri.
Ela tem que fingir. E isso ela faz bem. Isso a faz sobreviver.