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31.12.12

Fragmento

me digas, então: se eu te amasse, ajustaria teu coração? o teu corpo reconheceria essa massa estranha que bate dentro de ti?
talvez eu tente, sim, ajustar-te a esse mundo de corpos fechados, corações dormentes e mãos armadas.
e de ti, minha menina, só espero poder estancar o coração varado de flechas e, quem sabe, um dia te sintas adequada.

27.11.12

Na última folha do meu caderno, uma história

Era 5 de maio de 2012.

Uma mulher me observa dentro do ônibus enquanto olho desatenta o rio pelo qual passamos. Me pergunta, certeira:
- Você está pensando em alguém, não é?
Sorrio impressionada. Mas que perspicaz! Tento disfarçar, dizendo:
- Pensando na vida...
Não satisfeita, dispara:
- Com esse sorriso no rosto? Não! Você está pensando em alguém, sim.
E agora? Desmascarada, sorrio novamente, dessa vez acompanhada da esperta senhora.
Desço do ônibus, cheguei ao meu destino. Ainda estou sorrindo, encantada com a delicadeza e atenção daquela mulher que provavelmente nunca mais verei na vida, mas que me decifrou em alguns segundos.
Mas que perspicaz!, pensei. Atravessei a rua, segui caminhando para encontrar o motivo daquela interação inusitada. Finalmente, o encontrei. O dono dos meus pensamentos - os bons e os ruins - e do meu agora antigo sorriso espontâneo.


Quem me dera passar mais tempo com aquela senhora e, quem sabe, aprender como posso voltar a ter aquele sorriso bobo no rosto. Aquela sensação de que existia, ainda que distante, um "nós".

7.9.12

7 de setembro. 2012.

7 de setembro. O ano é 2012.

Há exatos 190 as pessoas que viviam nesta terra, Brasil, receberam a notícia de que, a partir de então, eram independentes. Imagino que levantaram-se bandeiras, soltaram fogos e saíram às ruas - os que compreendiam e os que aderiram à onda. Enfim, brasileiros.

Há 48 anos outros brasileiros assistiram à tomada da presidência da república por um levante militar. Era preciso pôr ordem na casa que, à beira das garras comunistas, corria perigo. Proteja-se a pátria!

Então, por 24 anos meu avô, meu pai e outros tantos brasileiros viveram num Brasil, nossa pátria, em que não era permitido questionar. Brasil, ame-o ou deixe-o. Ao meu avô, restou-lhe trabalhar para que certo dia o país voltasse à calma. Ao meu pai coube a indignação dos jovens. Saiu à ruas e gritou para ser ouvido. Os defensores da pátria, no entanto, levantaram armas contra ele e tantos outros.

Durante muito tempo, os pensamentos e preces da minha avó foram dedicadas ao meu pai. Para que, enquanto tentava questionar um país de imposições e censura, não fosse pego e nunca mais visto. Imagino que milhares de outras mães faziam o mesmo. Sei, no entanto, que muitas não tiveram as preces ouvidas.

Hoje, 7 de setembro de 2012, assisto na TV passeatas e desfiles cívico-militares de tão orgulhosos brasileiros. Olho bem seus rostos e vejo que estão felizes com sua pátria, o nosso Brasil. Vejo pessoas, famílias inteiras, sentadas em arquibancadas sob sol quente. Vejo bandeirinhas, sorrisos e esquecimento. Nesse momento me falta ar, meus olhos alagam e minha garganta é tomada por um grito contido, um nó que dói e imagino ser a dor de milhares de mães, pais, jovens, velhos e mortos.

Eu vejo, também, que alguns brasileiros ainda lembram das preces não atendidas, dos jovens desaparecidos, dos nomes e rostos dos responsáveis da minha dor e tantas outros brasileiros. Por fim, eu vejo as pessoas que comemoram o 7 de setembro olharem feio para aqueles com cartazes na mão e gritos de protesto e memória. Devem pensar "estes vagabundos não tem o que fazer" ou "é por isso que o país está assim, é preciso pôr ordem nessa baderna". Daí aparecem as fardas, retiram os cartazes, os gritos e aqueles que lembram para dar passagem ao progresso, à ordem, à pátria amada, ao Brasil.

E então eu choro. Eu, brasileira, que não vivi nenhum dos acontecimentos citados, sinto cada um deles na  pele, no que há de mais patriota em mim. E penso: onde nós estamos errando?

19.5.12

toda sorte

antes fosse a poesia
disfarçada por recursos e lírica
antes fosse, antes fosse.

antes fosse a minha sorte
que no lugar de você
fosse qualquer sorte ou azar.

mas foi minha, minha poesia
e te fez sorte,
e te trouxe disfarçada.

antes fosse azar escancarado
antes admitisse o veneno,
que, por um beijo, me contaminasse.

antes fosses anunciado
azar meu, sorte minha

antes levasse a poesia,
e me deixasse intacta

antes meu azar do que isto
isto que não restou e
e.

28.4.12

Cá estou: Beirando a linha tênue entre a lágrima saltando aos olhos e a gota escorrendo pelo rosto.
Na encruzilhada sem nome em que a impossibilidade de continuar a querer se faz real.
Cá estou eu a sentir liquefeito tudo aquilo que era sólido, seguro, constante.
Cá estou a tentar secar os rastros de você espalhados pela pele fria, pálida.
E você da dor em mim nada sabe. Não saberá.
A tristeza se com veste uma bela máscara, essa mesma que te cumprimenta.

6.4.12

Eu tenho medo de viver o dia em que você não vai significar nada pra mim.

2.4.12

O que te fez
que te dói
que te deixou,
cold as ice.