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27.11.10

s o s

Eu não conseguiria te salvar se não houvesse pedido socorro.
Eu não poderei te salvar novamente se não estenderes a mão.
...

É o que eu te peço

Me escreva cartas de amor
Ou um bilhete que seja
Me escreva mais uma vez
As palavras que eram tão fáceis
O silêncio que não afligia

Me escreva como se não houvesse história
Hoje, ontem ou amanhã
Me escreva versos simples
Simples ordenações de palavras desconexas
Mas que façam sentido pra você

Me escreva como se o medo não pudesse te tocar
Como se a coragem que precisa
Esteja bem aqui, no abraço que guardo pra você

Me escreva como se não houvêssemos nos entregado
Como se se render não fosse vergonhoso
Escreva apenas que sente falta
E se renda a mim, exatamente como já fomos um dia.

24.11.10

Quando uma Quimera chora

Falhei miseravelmente enquanto ser. Na tentativa de satisfazer aos meus anseios mais sublimes, toquei o cerne do pecado. Infutríferas chances de crescer guiaram-me a ações que em outros tempos eram desprezíveis. Esqueci-me pouco a pouco do que era bom na vã ilusão de que buscava algo mais puro. Encontrei alguns bons no caminho, mas a visão deturpada não permitiu que os reconhecesse, passei por cima como se não fossem mais que heras. Ao fim do túnel deparei-me com a recompensa, ornada com flores e algumas pedras preciosas, mas podre enquanto só. Havia construído um castelo em volta da sua feiúra, trouxe do Oriente os mais envolventes bálsamos para encobrir o odor fético que exalava. Eis a minha recompensa, eis a minha Quimera disfarçada de Belerofonte. Tão doce foi o tempo em que acreditei em suas palavras, mas não durou muito mais. Revelada, cumpriu sua natureza e destruiu o que havia ao redor, o que se pôs no caminho, destruiu a mim, especialmente. Restou muito pouco daquele mundo fantástico que se desvelava aos meus olhos ludibriados toda manhã. O caos que se instaurou permitiu que das cinzas, recolhendo algumas poucas lembranças de um passado distante, pudesse reerguer-me. Mas era tarde. À medida que envolvia-me e iludia-me com o mostro, me tornava também parte dele. Transformei-me em um ser assustador, por tantas vezes irreconhecível. Gostaria de acreditar que das dores sobraram apenas cicatrizes, mas não poderia me enganar a tal ponto. Essas cicatrizes que carrego agora sararam, mas não foram capazes de reconstituir a pele integralmente. São sensíveis e reagem aos menores estímulos, doem e sangram a menor lembrança do sofrimento que as causou. Não as odeio, elas ajudam-me a perceber se é seguro por onde ando. Mas nesse momento minhas cicatrizes choram. Não choram por medo, por dor ou qualquer outro resquício dos tempos sombrios... elas choram por culpa. A culpa que nunca imaginei ser tão avassaladora e dolorida. Corrói minhas entranhas de um jeito que a Quimera nunca poderia fazer, pois a culpa é minha, eternamente minha por ferir alguns bons, seres que nunca desejariam o mal, nem mesmo ao monstro. Foram seres inocentes e desavisados que machuquei. Enquanto me tornava também monstro, iludi com minha bela máscara de ninfa, usei e sequer pensei nas consequências. Era Quimera, afinal. Não posso seguir agora sem culpar-me. As cicatrizes que deixei em outros é capaz de me ferir mais que as minhas próprias. São como adagas enfiadas lentamente no corpo, sem intenção de machucar. Gostaria de poder dizer o que sou nesse momento, no entanto a imagem turva que encontro no reflexo não me permite. Sei apenas que preciso pedir perdão. Um perdão que não quero receber.

22.11.10

Lendo relatividade

Tenho tentando ler você. Extrair algo mais puro, mais intocado, mais escondido por trás dessa sua face impecável. Entre um olhar, um sorriso, no segundo que permeia o inspirar-respirar. Sem sucesso, garota. Isso deve ser tudo o que move o âmago da minha vontade, a louca vontade de te conhecer por dentro, de ler nas entrelinhas dos teus músculos, nos intervalos das tuas células, nos pequenos pedaços de infinito do teu cérebro. Mas, entenda, eu não gostaria de querer te ler. É bem mais do que eu poderia lidar. Não é? Me diga você, valeria o risco, me agradaria a vista? Ou mais uma vez, como tantas, seja apenas puro medo. Puro, sim. Esses sentimentos que me vem como avalanche, vem também intocados, devastando tudo o que há pela frente, eu, você, qualquer coisa.
Não, não, garota, eu não consigo ler você. Isso...atrai. Atrai ao passo que assusta. Enlouquece ao passo que queima, ao passo que acalma, ao passo que atormenta, ao passo que acolhe, ao passo que dou outros passos, passos que me encaminham para você. Passos que vão me levando até quando não sei. Vou agora, é tempo de caminhar.

7.11.10

winter garden

Te olho agora daqui de cima. Me pareces bem. Não necessitas mais olhar pra trás, olhar-me com olhos que imploram por um tanto de cuidado, de carinho. Consegues mover-se sem me consultar se é seguro seguir em frente. Estás curado, finalmente, não estás? Eu continuo a te observar daqui. Enquanto o sol se põe, você desabrocha diante das estrelas e a Lua; ela que vem logo ali e te espera - sim, ela te espera. Como eu te esperei tanto tempo, és ansiado por outras mãos, outros cuidados.
É preciso te deixar ir? De verdade? Me desculpe, mas me apeguei. Tive por ti tanto cuidado, tanto afeto...quis tanto que sobrevivesse; e você sobreviveu. Agora que posso fazer se as feridas sararam, se podes se guiar sem mim? Devo te deixar, outros cuidados são necessários e...vou sentir falta, juro.
É preciso lembrar do meu jardim. Enquanto cuidava de ti eu o deixei de lado, mas devo agora voltar-me aos outros, meus outros cuidados e carinhos. No fundo você e eu sabíamos que seria assim, não? Não poderíamos ser pra sempre...eu estava aqui pra te curar. Estou aqui pra curar apenas. Agora vai, vai que há novas mudas, alguns feridos, outros ressecados, peciso agora dar-lhes atenção. No fundo eu mesma sabia que não poderia ir contigo. Tem muito a ser feito aqui.
Vai logo, mas volta. Volta que o inverno é nossa época. Volta que eu não te ensinei outra forma de aquecer que não fosse nos meus braços. Vai agora que é primavera. Há muito pra você lá fora. E a andar eu te ensinei bem, sabes achar o caminho de casa. Te prometo não pensar muito, sei que voltas. Agora eu vou que o sol já nasce e com ele começo esta nova estação, sem você. Não achavas que era fácil cultivar tão vasto jardim, não é? Vai, mas volta, eu estarei aqui ainda, no meu jardim que é também teu, nosso jardim que é pra sempre no inverno.

5.11.10

¨

Oi, passado, como você vai? Escuta, não mudou muita coisa, eu ainda te amo. Te vejo por aí às vezes e ainda sorrio. Não com a face, mas com a alma. Te ver nunca perdeu o encanto; meu cuidado nunca vai findar. Você não passou, continua aqui, ainda que de longe.

2.11.10

A salvo

Você se vê, então, numa cilada. Quase imperceptível, eu diria. Mas daí vem aquele pesar, aquela sensação de não querer largar, mas desejar tanto ir. Aquele gosto de medo na ponta da língua, medo esse tão fugidio. Vem aquilo que não se sabe ao certo, mas é íntimo demais e profundo demais pra ignorarmos. Foi você quem construiu a cilada, não foi? É você quem pode e deve desarmá-la. As previsões nunca são perfeitas, são apenas reflexos de nós mesmos, essas matérias imprevisíveis com sentimentos previsíveis mas que relutamos em admitir. E se admitir ajuda alguma coisa, admitamos. Mas pegue essa confissão e faça dela uma arma. Nesse caminho há muito perigo e estamos falando de uma cilada realmente perigosa. Use sua arma para arrancar agora a semente que vai ser a raiz do mal. Do desgosto de matar algo antes que nasça, aprenda, é uma lição para a vida toda. Depois de cair em tantas armadilhas, você aprende a reconhecê-las e, por favor, não seja burro: você não consegue descê-la e subir sem se machucar. Há muitos galhos e espilhos e lama tentando te impedir. Então aprenda agora a saltar. Você é leve, não será um problema, basta não olhar para baixo. Bem sabes que lá no fundo há quem precise, mas não de você. Mas você tem isso que alguns chamam de altruísmo. Sim, você se dá ao sacrifício. Então me faça um favor, não olhe para baixo, não dê uma de salvador, ao fim eles se salvam de algum modo, isso não lhe interessa; o que lhe diz respeito é cuidar dessa sua vida infeliz, pois sabes, não há alguém para salvar você. Nunca houve. Os sacrifícios foram todos em vão, embora você relute em admitir isso. Existe algo que não se pode ignorar, meu amor, é que um preço há de ser pago. Você não tem mais reservas, tome cuidado, se você arriscar demais não restará nada para ser salvo.