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16.10.10

Vou te contar do medo

Faz tempo que não nos vemos, meu bem. Como você está? Bem, eu espero sinceramente. Senti saudades. Eu? Desapareci por uns tempos, é verdade. Bom, isso não quer dizer que eu tenha estado bem. Na verdade, estive afundando em um poço muito profundo, meu bem, mas era um poço estranho. Tinha alucinações lá, elas me levavam à superfície e permitiam que tivesse alguns momentos de distração, de tranquilidade no meio daquele caos em que me meti. Mas logo depois elas se desfaziam, eu tentava agarrá-las, mas escorriam por entre meus dedos, as alucinações. Ah, eram tão belas. Sabe? Como aqueles dias de céu azul em que a gente deita na grama e observa as nuvens, as árvores...e se sente parte daquilo tudo? Lembras daquelas vezes em que deitávamos na grama e éramos nós também aquilo tudo, meu bem? Já faz tanto tempo...eu queria poder te de volta as cores, tão vivas, tão verdadeiras...estão desbotadas agora. Uma pena. Mas de volta, eu estava naquele poço...as ilusões eram um amparo, mas só isso, nada mais que isso. Depois eu estava de volta ao escuro, à lama, ao cheiro pútrido de minhas próprias lembranças. Um lugar tão parecido com aquele em que me encontraste, meu bem. Mas de lá você não poderia me tirar. Não dessa vez. Eu gritei tanto por você, chorei chamando aos deuses ou a seja lá quem for que determina essas nossas vidas miseráveis e vãs, mas ainda assim você não veio. Eu estava tão só. Só como eu nunca imaginei poder estar. Eu queria te contar, escrever para ti...porém não tinha canetas ou papel, não tinha fogo para te enviar sinais de fumaça, não tinha nada! Nada! Só eu mesmo, no poço, respirando minhas próprias desgraças, minhas frustrações, meus traumas, meus desgostos! Ah, como eu desejei acabar com aquilo, meu bem. Mas eu pensava em você, no quanto você desejou minha vida, o meu bem, que agora é você, meu bem. Lembrei de todos as vezes em que você enfiava os pés na lama suja, arrancava as ervas daninhas que me acorrentavam ao lixo e me resgatava, estendia a mão e me trazia à tona dias azuis, céus verdes, nuvens amarelas. Cores, meu bem. Você me entregava tantas cores. Mas no poço eu só enxergava em cinza. Tons, nuances e mais variantes de cinza. Não conseguia nem te imaginar. Você não nasceu para pertencer a um mundo sem cores, seria impossível existires ali. És um ser tão belo, meu bem. Não compreendo porque me salvas tantas vezes, eu que sou feio, patético e miserável. Mas eu te agradeço, você me traz cores e elas e você são tudo para mim. Eu só não entendo proque nada fizeste para me salvar, você não poderia enviar um mensageiro Você algum momento desistiu de mim, meu bem? Talvez o poço fosse por demais assustador para você, eu entendo. Não se culpe, eu não te culpo. Você não deveria caminhar por lugares tão sem cores. Demos graças por eu estar aqui agora, consegui, eu sai. Você está feliz, meu bem? Te trouxe algumas flores, deixe-me colocá-las num vaso. Oh, mas esse vaso é...cinza. Meu bem, por que temos um vaso cinza se...não. Não, não, não! Não pode ser! Por que, por que, meu bem? Você não me ama mais, é isso? Meu bem, meu bem, por favor...por que me trouxeste aqui de novo? Por que me queres aqui, preso?! Me diga, por favor...eu não aguento mais...você ao menos ficará comigo aqui? Não me deixe, é cinza demais! Mas...suas cores, onde elas estão agora? Por favor, não me diga...não diga, meu bem. Por favor, por favor...não seja igual a mim.

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